Atigindo por barragem (MAB)

No Brasil, as construções de barragens têm levado a desterritorialização de milhares de pessoas. Esses deslocamentos vêm alterando significativamente as vidas e os meios de subsistência de vários grupos sociais, povos indígenas e comunidades tradicionais. Em geral, os processos históricos destes empreendimentos vêm demonstrando que, os reassentamentos vêm sendo feitos sem respeito aos modos de vida dos grupos atingidos, os quais são deslocados em áreas que carecem de infraestruturas necessárias para manutenção de uma vida digna para essas populações.

O MAB se consolidou em um movimento nacional no I Congresso Nacional de Atingidos por Barragens no ano de 1992. Em MT, o MAB nasceu em decorrência da construção da barragem do rio Manso, principal afluente do rio Cuiabá. A Usina Hidrelétrica de Manso (Figura 5.11) foi inaugurada em 1998. É uma herança das obras faraônicas de infraestrutura planejadas pelo governo militar (ARINI, 2005). A área de alagamento é de 427 Km. Apesar do grande reservatório que, segundo dados de Furnas, tem capacidade de geração de até 212 megawats, a usina produz de forma fixa apenas 97 megawats de energia, ou o equivalente a três pequenas centrais elétricas com represamento de áreas até cem vezes menores (CASTRILLON et al., 2006).

Em 2004 o MAB informava que dezoito comunidades foram atingidas pela Usina de Manso totalizando 1.065 famílias, mas, somente 422 famílias foram reassentadas em cinco diferentes áreas, 60 famílias foram deslocadas para as periferias das cidades próximas (LEROY, 2005). “Levantamentos técnicos de uma comissão independente revelaram que 92% do solo dos reassentamentos era formado por areia, impróprio para a agricultura” (CASTRILLON et al., 2006, p. 51).

Os impactos socioambientais produzidos por essa barragem vêm sendo denunciados por ambientalistas e pesquisadores, desde o início da obra, tanto pelas mudanças no sistema de inundação do Pantanal e na bacia onde está inserida, como na destruição de habitats, extinção de espécies, diminuição de populações de peixes; ou ainda, por meio dos impactos sociais na área de alagamento e a jusante onde moradores dependem do ciclo natural das águas para sobreviver (CASTRILLON et al., 2006).

Sobretudo, para esse grupo social, perder seu território pode significar, por vezes desaparecer. Muitas famílias foram desconectados, ou melhor, arrancados à força do seu território. Os atingidos por barragem é um exemplo de uma identidade que surge por meio de uma driving force. Pessoas que antes eram agricultores familiares, pescadores, extrativistas, que foram impedidos a manter seus hábitos pela destruição de seus habitats. Suas identidades não apenas sofreram interferências, mas foram destruídas. E, nesta perda identitária passaram por um fenômeno paradoxo da reconstrução de sentidos, que pode ser identificado quando se autodenominam atingidos por barragens e, encontram na força coletiva deste movimento, motivos para continuar a lutar pelos seus direitos.

São muitos os grupos de atingidos pelos projetos hidrelétricos, e pelos demais projetos de expansão das fronteiras capitalistas, pelas commodities, tais como a soja, a extração de madeira, a celulose, o alumínio, o minério de ferro, etc.. A apropriação privada dos territórios e de seus bens naturais (as florestas, as áreas de pesca, as áreas de cultivo) extermina a identidade sociocultural, fazendo deles uma massa que tende à uniformidade, desenraizada de sua história e de seu território, sem perspectiva (LEROY, 2010).

Os estudos de casos apresentados por este capítulo nos apontam que as driving forces e os projetos de des?envolvimento têm interferido nas identidades dos grupos pesquisados. Especialmente, a destruição e a fragmentação dos habitats vêm descaracterizando os ambientes e destruindo as bases naturais que são fontes de vida destes grupos, como também, importante pelo seu papel mítico na construção das identidades. Os bens e os serviços ambientais são imprescindíveis para a manutenção da vida, das identidades e dos hábitos dos grupos sociais. A conservação dos habitats é, portanto, essencial para a continuidade das identidades destes grupos.

O fortalecimento dos movimentos de resistência de diversos protagonistas sociais que buscam defender suas identidades, seus modos de vida e seus ambientes frente à expansão da especulação fundiária, das monoculturas e dos grandes projetos desenvolvimentistas nos mostram outros caminhos possíveis. Estes modos alternativos de organização social devem ser considerados nos programas e na construção de políticas públicas. Não se pode mais invisibilizar o protagonismo destes inúmeros grupos e movimentos que se fortalecem na luta pelo reconhecimento de suas identidades, seus territórios e seus direitos coletivos, porque nestas resistências, estão as possibilidades de assegurar a visão de que esses bens são coletivos e não passíveis de dominação privada. E devem ser apropriados pela maioria para uma vida mais digna a todos com mais sustentabilidade aos ambientes naturais.

Referência: SILVA, Regina Aparecida da. Do invisível ao visível: o mapeamento dos grupos sociais do estado de Mato Grosso - Brasil. São Carlos: UFscar, 2011.
Disponível em: <https://onedrive.live.com/view.aspx?cid=17DC7D667214610D&resid=17DC7D667214610D%21343&app=WordPdf>.

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