Desmatamento

Matar e desmatar caminham juntos no mundo-moderno-colonial.

Carlos Walter Porto-Gonçalves

 

Nos processos de escuta durante os Seminários de Mapeamento Social, o desmatamento foi uma questão recorrente e incessantemente abordada, por afetar diretamente o modo de vida dos grupos sociais mato-grossenses. É apontado como uma forte mola propulsora de conflitos socioambientais acirrados pela manutenção da biodiversidade.

Os habitantes das TI Paresi, Ponte de Pedra, Apiaká/Kaiabi, Panará, Erikbatsa, Marãiwatsédé e outras etnias que vivem na TIX, denunciam as dificuldades em proteger seus territórios e o entorno contra o desmatamento ilegal que adentra sorrateiramente. Enfrentam o mesmo problema os moradores dos Projetos de Assentamentos Nova Esperança, Filinto Muller, Nova Maringá e Antonio Conselheiro que narram os constantes confrontos com fazendeiros.

Durante o II Seminário de Mapeamento Social, no momento da socialização dos GT (povos do Pantanal, do Cerrado, retireiros, agricultores familiares e indígenas), o desmatamento foi apontado como uma forte causa dos conflitos socioambientais por todos os GT.

Os impactos ambientais provocados por esta atividade são sentidos tanto na escala global quanto na escala regional e local. Na escala global, essas alterações são responsáveis por mudanças climáticas, como o aumento da temperatura do planeta, mudanças na composição química da atmosfera (aumento da concentração de CO2 e outros gases), mudanças no ciclo hidrológico, entre outras. No Brasil, o desmatamento, juntamente com as queimadas, é responsável por uma grande quantidade de emissão de CO2 na atmosfera, maior que as emissões do parque industrial e da frota de veículos do País (BERNARDES, 2004).

Os desmatamentos proporcionam impactos ambientais severos, tais como: a fragmentação das paisagens, a perda da biodiversidade, a exposição do solo, o assoreamento dos rios, a redução do regime de chuvas, comprometem os importantes ciclos naturais e alteram as funções ambientais e os serviços ecossistêmicos. Da mesma forma, implicam na perda de qualidade de vida das populações locais que têm sua base de vida totalmente ligada aos ambientes naturais.

Alencar et al. (2004, p. 09), descrevem que o desmatamento pode ocorrer por vários motivos sendo um fenômeno de natureza complexa que não pode ser atribuído a um único fator. Para esses autores, a exploração seletiva e predatória de madeiras nobres funciona como o ponto de partida do desflorestamento. Milhares de quilômetros de estradas clandestinas são abertas na mata, viabilizando a expansão das migrações e da grilagem de terras públicas, assim como de projetos de colonização e de pecuária extensiva. Como ressaltamos no capítulo anterior, este ciclo vicioso segue com a agricultura intensiva – especialmente a ligada ao agronegócio da soja.

Diante dos índices é possível perceber a ligação entre o aumento das áreas de agricultura e da pecuária com o aumento das áreas desflorestadas. Mas, segundo Fearnside (2005, p. 113) a criação de gado ainda é a causa predominante. As fazendas de médio e grande porte são responsáveis por cerca de 70% das atividades de desmatamento.

Todavia, é preciso considerar, entre as causas do desmatamento, o papel indutor do próprio Estado que, ao promover a implantação de grandes obras de infraestrutura sem o necessário planejamento da ocupação do território, acaba sendo um dos fortes fatores da promoção do desmatamento. Assim se caracteriza a contradição entre essas políticas estruturais, que empurram os índices para cima, e as medidas emergenciais de pouca eficácia que visam reduzi-los(ALENCAR et al., 2004, p. 10).

Essas informações foram confirmadas por meio dos resultados recentemente publicados do projeto Terraclass, desenvolvido pelo INPE e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Este estudo promoveu o levantamento das informações de uso e cobertura da terra na Amazônia, com objetivo de realizar a qualificação, a partir de imagens orbitais, das áreas já desflorestadas da Amazônia Legal brasileira. Dentre os resultados obtidos, pode-se destacar que nas áreas desflorestadas na Amazônia até o ano de 2008, correspondente a 719 mil Km2 (ou seja, 17,5% da Amazônia brasileira já foram desmatados), a cobertura de maior abrangência está associada às áreas de pastagem, totalizando aproximadamente 447 mil Km2, distribuídos em 335 mil de pasto limpo, 63 mil de pasto sujo, 48 mil de regeneração com pasto e 594 Km2 de pasto com solo exposto. As áreas de agricultura anual totalizaram 35 mil Km2 e as áreas de vegetação secundária totalizaram 151 mil Km2 (INPE; EMBRAPA, 2011, p. 03).  Os resultados de como é utilizada a área desmatada na Amazônia até o ano de 2008.

Segundo o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas do Estado do Mato Grosso - PPCDQ/MT (SEMA, 2009), elaborado pelo governo do Estado no ano de 2009 com medidas de controle ao desmatamento, os Estados de Rondônia, MT e Pará respondem por mais de 80% do total desmatado na Amazônia. Dentre estes três Estados, MT destaca-se nos índices, é o campeão dos Estados brasileiros em desmatamento acumulado.

Paralelamente a isso, podemos observar que o rebanho bovino passou de 9 para cerca de 27 milhões de cabeças entre 1990 e 2005, mantendo um ritmo de crescimento médio de aproximadamente 7,5% ao ano ao longo de todo o período. Em 2006, também houve uma ligeira redução para 26 milhões de cabeças (SEMA, 2009, p. 12). Micol et al. (2008) mostram que a área total desmatada em regiões de pecuária tem aumentado de forma proporcional ao crescimento do rebanho bovino.

Com uma contribuição bem menor, porém significativa nos índices de desmatamento, encontram-se os assentamentos rurais. Até 2002, a área total de assentamentos rurais na Amazônia era de 230.858 km2, equivalente a 1.354 assentamentos, concentrados ao longo das principais rodovias e do Arco do Desmatamento (BRANDÃO JÚNIOR; SOUZA JÚNIOR, 2006). Estes autores ao analisarem as áreas desmatadas nos assentamentos da Amazônia, concluíram que a área total desmatada nos assentamentos criados até 2002 é de 106 mil Km2, ou seja, 46% da área total dos assentamentos. Isso representa 15% do desmatamento total da Amazônia (2006, p. 07). Os assentamentos em MT são resultados da luta pela reforma agrária, da conflitualidade entre campesinato e agronegócio que disputam as terras agrícolas. São, muitas vezes, criados pelo INCRA sem licenciamento ambiental, sem orientação e assistência técnica aos assentados para o melhor uso daquele território.

Nas taxas do desmatamento em MT de 1988 a 2010, verificamos que as mesmas oscilam devido aos incentivos (ou não) das driving forces. Os picos observados nos anos de 1995 e 2004 (neste ano MT foi responsável por 76% da área desmatada da Amazônia Legal), coincidem com a entrada do Estado no processo globalizado de comercialização de commodities agrícolas com um grande aumento na produção de grãos e carne (AZEVEDO, 2009, p.105). Especificamente no ano de 2004 esse aumento foi, em grande medida, explicado pelos aumentos no preço da soja e em outros fatores econômicos associados. Sobretudo, o ambiente político no Estado pode ter contribuído para essa euforia, haja vista, o projeto produtivista almejado pelo governador, maior produtor de soja individual do mundo.

A partir do ano de 2005 até 2010 nota-se uma redução nos índices de desmatamento, segundo a Sema (2009), essa queda justifica-se pelas medidas de prevenção, monitoramento e controle do plano nacional de controle ao desmatamento, além disso, as diversas operações conjuntas entre Ibama e Polícia Federal nos Estados com maiores índices de desmatamento, entre eles MT, Pará e Rondônia.

Entretanto, em 2011 os dados do Deter/INPE (Detecção de desmatamento em tempo real), registraram um aumento significativo de áreas desmatadas em relação a 2010. Somente entre agosto de 2010 e abril de 2011 o desmatamento aumentou em 43% em MT (INPE, 2011), além disso, entre os meses de março e abril de 2011 foi detectado, pelo INPE, o desflorestamento de 593 km2 na Amazônia. Só o Estado do MT foi responsável por mais de 80% deste percentual, o Estado desmatou 480,3 km2 em apenas dois meses (INPE, 2011). A nosso ver, não há como negar a forte vinculação desses números recentes com os processos de discussão da votação para a reforma do código florestal e com a recente aprovação do projeto de ZSEE em MT.

Mascarado com a faceta de melhoria na qualidade de vida, nos municípios em que as atividades como a extração de madeira, a pecuária extensiva e a monoculturas são mais intensas, por certo, o Produto Interno Bruto (PIB) e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são maiores. Contudo, esse aumento é ilusório, afinal, nestes mesmos locais, o índice que reflete a desigualdade de renda (GINI) também é maior.

Rodrigues et al. (2009, p. 1435) analisando diferentes estágios do desmatamento em 286 municípios da Amazônia, encontraram um boom-and-bust nos níveis do IDH. Comprovaram que o índice aumenta quando o desmatamento inicia, todavia, tem um forte declínio na medida em que o ciclo evolui para outras etapas. Após essa etapa de desmatamento, os níveis de desenvolvimento humano são similarmente baixos, como antes de se iniciar a exploração madeireira e, em alguns casos, ainda mais baixos.

A implicação dessa dinâmica tem sido a homogeneização econômica e o autoritarismo social no processo de ocupação do território mato-grossense. O modelo de desenvolvimento implantado não é sustentável, favorece um pequeno segmento da população, deixando um contingente populacional que fica à mercê dos benefícios e das políticas públicas. Os que permanecem em seus territórios resistem e enfrentam conflitos socioambientais extremos, os que são expulsos vão para os grandes centros e são incorporados às áreas de periferias.

Considerando esses dados, podemos verificar que do total de área desmatada até o ano de 2007 (34.285.223,77 ha), foram desmatados exclusivamente no bioma Cerrado 16.484.926,17 ha, o que corresponde a 46,45% da área deste bioma em MT. Somente no bioma amazônico foram desmatados 16.398.466,39, o que representa aproximadamente 35% das áreas originais. No Pantanal foram desmatados 23% de seu domínio, totalizando em ha 1.404.590,85 (SEMA, 2009).

O bioma Cerrado, como antes aconteceu com a Mata Atlântica, erroneamente é visto como um embaraço de árvores tortas que deve ser superado, é divulgado como ecossistema de solo pobre que pode ser corrigido para ser útil à monocultura e é, amplamente, apresentado como o celeiro do mundo.

A expansão da fronteira agrícola, normalmente, desconsidera as riquezas da biodiversidade deste bioma, os importantes serviços ecossistêmicos fornecidos, especialmente, nos aspectos hidrológicos. Além disso, ignoraram e desprezam a população local com seu modo peculiar de vida. Concordamos com Leroy (2005, p. 35) quando afirma que estamos praticando genocídios culturais neste País. Despir as pessoas de sua cultura também é uma forma de exclusão da condição humana.

Como as áreas disponíveis do Cerrado começam a chegar ao limite, a pressão por novas áreas no norte e noroeste e nordeste de MT aumenta progressivamente, o que significa um avanço da fronteira agropecuária em direção à  floresta amazônica. Isso pode ser observado na sobreposição do mapa do desmatamento de MT, com os focos de conflitos socioambientais indicados pelos sujeitos que participaram dos mapeamentos, percebemos uma forte concentração de conflitos provocados por desmatamento regiões essas com predomínio da floresta amazônica.

Dentre os GT que debateram os conflitos socioambientais, o GT dos povos indígenas destaca-se nas denúncias e na luta contra o desmatamento que afetam drasticamente o seu modo de vida. Lamentaram e posicionaram radicalmente contra o devassamento que existe no entorno das TI, e, foram ainda incisivos contra a invasão sorrateira que consome seus territórios, que se dá na prática ilegal de retirada de madeiras.

Referência: JABER-SILVA, Michelle T. O mapeamento dos conflitos socioambientais de Mato Grosso: denunciando injustiças ambientais e anunciando táticas de resistência. São Carlos: UFScar, 2012. Disponível em: <https://onedrive.live.com/authkey=%21AOeXyifHVmXtuq0&cid=6F738C9CF42A30B0&id=6F738C9CF42A30B0%212176&parId=6F738C9CF42A30B0%214077&o=OneUp>.

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